Parte integrande de uma monogragia na pós em Psicologia Educacional -
TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE:Escola x família na formação da criança
A sociedade brasileira contemporânea vem sofrendo grandes transformações ao longo dos anos. A inversão de valores e papéis ocasionou mudança na vida das famílias. Mais informações do que se pode absorver a mulher trabalhando fora de casa, o avanço tecnológico, a televisão, o dia a dia, tudo isso contribuiu para que a família mudasse. A família mudou, a escola mudou, o aluno mudou... Tantas mudanças geram conflitos e expectativas.
Buscando proteger os filhos dessa nova fase, os pais estão oferecendo proteção excessiva, impossibilitando-os de desenvolverem suas próprias capacidades de defesa para vencer nessa sociedade. A família está portanto transferindo para a escola a educação dos seus filhos. Assim, a família, uma vez considerada como mediadora entre individuo e a sociedade, não pode deixar de ser analisada fora do contexto das transformações sociais ocasionadas pelas mudanças no sistema produtivo. As modificações na relação do individuo com o trabalho acarretaram novos posicionamentos tanto da mulher, quanto do homem, e que indiscutivelmente refletem na família contemporânea, determinando novos mapeamentos em sua estruturação e diferentes referenciais que norteiam as relações entre marido e mulher e entre pais e filhos.
“A família se modifica através dos tempos, mas em termos conceituais, é um sistema de veículos afetivos onde deverá ocorrer o processo de humanização. A transformação histórica do contexto sociocultural resulta de um processo em constante evolução a o qual a estrutura familiar vai se moldando. No entanto, é importante considerar que pôr maiores que sejam as modificações em configuração familiar, essa instituição ‘permanece como unidade básica de crescimento e experiência, desempenho ou falha’, contribuindo assim, tanto para o desenvolvimento saudável quanto patológico de seus componentes.” (Ackerman, 1980 p.29).
Se pôr um lado as conquistas no âmbito do trabalho promoveram uma maior inserção da mulher em diferentes segmentos da sociedade, por outro, essa mesma conquista roubou-lhe a possibilidade de controle de seu tempo, sobretudo no que se refere á dedicação aos filhos e ao desempenho da função educativa dentro da família.
Nesta perspectiva, a família está indissoluvelmente ligada à sociedade e seu destino dependerá do processo social e não de sua existência por si só. Horkheimer e Adorno (1973).
O ser humano supõe-se nascido inserto no seio familiar-estrutura básica social - de onde se inicia a moldagem de suas potencialidades com o propósito de convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal. O normal é que na família se sucedam os fatos elementares da vida do ser humano, desde o nascimento ate a morte. No entanto, além da atividade de cunho natural, biológico, também é da família o ponto de partida fecundo para fenômenos culturais, tais como as escolhas profissionais e afetivas, além da vivência dos problemas, sucessos e/ou fracassos. A família abandona um caráter natural, assumindo uma nova função, forjada em fenômenos culturais, motivo pelo qual Pereira (1997) assevera, com total razão, trata-se de “uma estrutura psíquica e que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver relação na pólis”.
“Sem dívida, então, a família é o fenômeno humano em que se funda a sociedade, sendo impossível compreende-la senão à luz da interdisciplinaridade, máxima na sociedade contemporânea, marcada por relações plurais, aberta e multifacetárias” Bilac 2000 p.29.
Mediante as transformações sofridas pela família devemos pensar qual o papel social da escola neste contexto:
... A escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma instituição social”, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a crença, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de natureza (...) Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem no movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação (...) Cada escola, seja ela qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de se as famílias dos alunos, estimulando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relações constantes com a escola; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade, despertando e desenvolvendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessada na obra da educação. (Trechos extraídos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova)
2.2. Função da família
A família representa um grupo social primário que influencia e é influenciado por outras pessoas e instituições. É um grupo de pessoas, ou um número de grupos domésticos ligados por descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção. Nesse sentido, o termo confunde-se com clã. Dentro de uma família existe sempre algum grau de parentesco. A família é unida por múltiplos laços capazes de manter os membros moralmente, materialmente e reciprocamente durante uma vida e durante as gerações. Podemos então, definir família como um conjunto invisível de exigências funcionais que organiza a interação dos membros da mesma, considerando-a, igualmente, como um sistema, que opera através de padrões transacionais. Assim, no interior da família, os indivíduos podem constituir subsistemas, podendo estes ser formados pela geração, sexo, interesse e/ ou função, havendo diferentes níveis de poder, e onde os comportamentos de um membro afetam e influenciam os outros membros. A família como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento, diferindo a nível dos parâmetros culturais, mas possuindo as mesmas raízes universais (MINUCHIN,1990). Em todas as famílias, independentemente da sociedade, cada membro ocupa determinada posição ou tem determinado estatuto, como por exemplo, marido, mulher, filho ou irmão, sendo orientados por papéis. Assim sendo, e começando pelos adultos na família, os seus papéis variam muito, e podemos considerar como característicos os seguintes: a “socialização da criança”, relacionado com as atividades contribuintes para o desenvolvimento das capacidades mentais e sociais da criança; os “cuidados às crianças”, tanto físicos como emocionais, perspectivando o seu desenvolvimento saudável; o “papel de suporte familiar”, o qual inclui a produção e/ ou obtenção de bens e serviços necessários à família; o “papel de manutenção das relações familiares”, relacionado com a manutenção do contato com parentes e implicando a ajuda em situações de crise; o “papel terapêutico”, que implica a ajuda e apoio emocional dos problemas familiares; o “papel recreativo”, relacionado com o proporcionar divertimentos à família, visando o relaxamento e desenvolvimento pessoal.
Como os papéis, as funções estão igualmente implícitas nas famílias, como já foi referido. As famílias como agregações sociais, ao longo dos tempos, assumem ou renunciam funções de proteção e socialização dos seus membros, como resposta às necessidades da sociedade pertencente. Nesta perspectiva, as funções da família regem-se por dois objetivos, sendo um de nível interno, como a proteção psicossocial dos membros, e o outro de nível externo, como a acomodação a uma cultura e sua transmissão.
A principal responsabilidade dos pais é educar os seus filhos para que se tornem adultos maduros, equilibrados, independentes e autônomos. A partir daí serão capazes de para tomarem decisões ponderadas e refletidas, para lidarem com as emoções de forma controlada e não impulsiva capazes de encontrar pelos seus próprios meios, as soluções para os problemas e situações com que se deparam.
Ao processo educativo, que passa inevitavelmente pelo desenvolvimento cognitivo e emocional, não é alheia a influência dos pais como referência e modelo de identificação. Os pais não poderão fugir ao fato de que será sempre uma referência (positiva ou negativa) para os seus filhos, isto é, o comportamento dos pais face às múltiplas situações que caracterizam o processo educativo, tem mais impacto na formação da personalidade dos seus filhos, do que as palavras ou boas intenções que possam demonstrar.
Desta forma, acredita-se que a família influencia no processo comportamental e no desenvolvimento da criança e do adolescente, pois estarão repercutindo em seu meio social, aquilo que vivenciam e aprendem em suas casas. A família tem função primordial na construção do individuo, afinal, o melhor lugar para crianças crescerem é no seio de uma família estável, capaz de proporcionar-lhes afeto, educação, alimentação, moradia, de modo a possibilitar seu pleno desenvolvimento físico, ético, emocional, espiritual e cultural.
2.3 Função da escola
A educação básica tem por finalidade, segundo o artigo 22 da LDB, “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Esta última finalidade deve ser desenvolvida de maneira precípua pelo ensino médio, uma vez que entre as suas finalidades específicas incluem-se “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando”, a serem desenvolvidas por um currículo, que destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.
A educação é um processo interno pelo qual a criança atinge progressivamente seu desenvolvimento integral em todas as dimensões do ser humano. Contextualiza-se nas palavras de Friedrich Froebel: “A educação não é senão a vida ou o meio que conduz o homem, ser inteligente, racional e consciente, a exercitar, desenvolver e manifestar os elementos da vida que possui por si próprio”.
A primeira imagem que uma criança tem de si mesma, na maioria das vezes lhe é dada através da escola, nas relações com os colegas, professores, enfim, nas relações inter-pessoais que se produzem no espaço-escola. É evidente, então, que a educação básica não é apenas transmitir o conhecimento arbitrado por um grupo dominante, preocupação quase exclusiva do ensino tradicional, mas, sim, desenvolver habilidades cognitivas em seus alunos, capacitando-os a ler, interpretar, explicar, comparar, analisar, justificar, opinar, abstrair, concluir, enfim a pensar. A função da Escola não termina aqui. Tem ainda o papel de trabalhar o conhecimento de forma significativa para o aluno. Se as crianças e os jovens não forem capazes de relacionar o novo conhecimento com o seu acervo anterior, tenderão a ser um depósito de informações.
“Ensinar é muito mais que instruir. É também formar. Se tivermos em conta o que acabei de dizer e ministrarmos um ensino do tipo que advoguei, não estamos apenas a preparar jovens para o mercado de trabalho, a transmitir-lhes as nossas crenças ou a ensinar-lhes teorias que permitem atuar sobre o mundo. O que fazemos ou não fazemos tem este alcance extraordinário e confere à nossa profissão uma componente moral importante: ensinar é fazer o bem; ensinar é ensinar a fazer o bem. Isso dá-lhe uma beleza e uma nobreza susceptíveis de nos permitirem encontrar nela um sentido para a nossa existência.”. F. Savater, p.33.
Não há como atingir objetivos tão profundos sem um compromisso abertamente estabelecido com o aluno, o que deverá gerar disciplina de trabalho, clima adequado à produção intelectual e à convivência respeitosa. Além disso, ajudar as crianças a crescerem como pessoas livres, responsáveis, com capacidade crítica, auxiliando-as a formar seu caráter e a aprender a conduzirem-se como cidadãos, através da interiorização dos valores morais e sociais que devem nortear a convivência pacífica do ser humano em sociedade.
Na perspectiva, de futuro, percebe-se cada vez mais, a Escola exercendo um papel que a ela jamais foi atribuído em tempos passados: o de ser a instituição formadora dos seres humanos. As crianças serão enviadas para a Escola cada vez mais cedo e nela permanecerão por um tempo mais extenso. E isso não será porque há um mundo novo de informações a ser processado e, sim, porque a Escola deverá exercer o tradicional papel das famílias, das comunidades, da Igreja, e ainda, o que lhe era próprio: desenvolver conhecimentos e habilidades. Ela deverá se ocupar com a formação integral do ser humano e terá como missão suprema a formação do sujeito ético.
ACHERMAN, N. Diagnóstico e tratamento das relações familiares. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
BILAC, Elisabete Dória. Família: algumas inquietações. In CARVALHO, Maria do Carmo Brante de (org.). A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 2000.
F. Savater. O valor de educar. Lisboa: Presença, 1997, p.33.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura- As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
HOFFMAN, Lynn.Fundamentos de la terapia familiar: Un marco conceptual para el cambio de sistemas. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994.
MINUCHIN, Salvador. Famílias: Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. p. 25-69.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito da Família: uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte. Del Rey, 1997
UNICEF Brasil – Legislação, Normativas, Documentos e Declarações – ECA –Estatuto da Criança e do Adolescente, acessado através do site www.unicef.org/brazil/eca01 em 05/02/2007.