O ser humano é essencialmente um ser relacional que existe e torna-se pessoa à medida que se relaciona consigo e com os outros. Ser é ser com o outro. Como toda interação humana baseia-se no estabelecimento de relações interpessoais, uma pessoa está sempre em relação, a partir das situações concretas dos seus encontros e desencontros na vida.
 
Para Buber (1974), o primordial quando se trata de relações humanas é o que está no “entre”,  ou seja, o significado do inter-humano não será encontrado em qualquer  um dos parceiros de uma relação, nem nos dois juntos, mas somente no diálogo entre eles. O que se passa no “entre” das relações são fenômenos intersubjetivos ontológicos.
 
O indivíduo está na sociedade que está no indivíduo. Tal  interdependência pode ser compreendida a partir do estudos dos  grupos.Quando um indivíduo começa a participar em um grupo traz consigo  diferenças de percepção, opiniões e sentimentos em relação aos demais.  Se as diferenças são aceites no grupo, a comunicação flui facilmente e  as pessoas ouvem-se umas às outras e têm possibilidades de dar e receber  feedback. Se as diferenças não são aceitas,  a comunicação passa a  fluir com distorções, as pessoas não dizem o que gostariam e não escutam  umas às outras. (Rocha, 2003: 307)
 
As relações grupais são alternadas entre o equilíbrio e o  desequilíbrio e nem sempre os elementos integrantes em um grupo  conseguem ultrapassar as dificuldades como a competição, as relações de  poder, a ordem/desordem, os conflitos e os ruídos que permeiam seu  funcionamento. São nestes momentos, em especial, que podemos melhor  observar as competências dos sujeitos para se relacionar.
 
À medida que as atividades e as interações prosseguem nas situações  de grupo os sentimentos despertados podem ser diferentes dos esperados  inicialmente e, inevitavelmente, influenciarão as interações e as  próprias atividades. Fela Moscovici considera que sentimentos de atração  provocarão aumento de interação e cooperação, repercutindo  favoravelmente nas atividades. Sentimentos de rejeição tenderão a  provocar diminuição das interações, afastamento e menor comunicação,  repercutindo desfavoravelmente nas atividades (Moscovici, 1998: 34).
 
As competências relacionais estão inseridas no espaço das relações,  ou seja, no “entre” das relações, visto que não pertencem única e  exclusivamente ao indivíduo, mas também, ao coletivo, pelo fato de que  ninguém é competente relacionalmente sozinho e a sociedade se organiza  por meio de suas redes relacionais.
 
Por competências, podemos considerar o que disse Perrenoud (2002:  141-145) “há uma espécie de consenso tácito no que se refere à semântica  da  palavra competência: as pessoas é que são ou não competentes e toda  tentativa de atribuição de competência a objetos ou artefatos parece  insólita ou inadequada”.  Desta forma, a pessoalidade  é a primeira característica da idéia de competência. Outro elemento que a caracteriza, diz respeito ao âmbito  no qual ela se exerce: “não existe uma competência sem a referência a  um contexto no qual ela se materializa”. O terceiro elemento da  competência é a mobilização ou “a capacidade de recorrer ao que se sabe para realizar o que se deseja, o que se projeta”.
 
Baseada em uma perspectiva de educação vista como um fenômeno  humano assentado no relacionamento interpessoal e em uma visão integrada  dos saberes, fatos e acontecimentos, acredito que compete à   educação  desenvolver a capacidade de construção e de adaptação à mudança,  buscando sempre as duas vertentes constitutivas básicas do ser humano: a  individualidade e a socialização, uma vez que é por meio destes  processos que o ser humano desenvolve suas competências para se  relacionar consigo e com os outros.
 
Relacionar implica escolher. O ato de escolher envolve uma  gama de motivações. Para Moreno (1992: 720) as escolhas são fatos  fundamentais em todas as relações humanas. Elas são de primeira ordem  existencial e não exigem qualquer justificação especial, desde que sejam  espontâneas e verdadeiras para quem escolhe. Assim, quando as pessoas  levam em conta suas redes sociais, descobrem com quem e com que  frequência preferem compartilhar suas atividades.
 
O fato de as  pessoas fazerem escolhas nas suas relações  interpessoais e se autorizarem a explicitar essas escolhas possibilitou  que Jacob Levy Moreno, em meados de 1930, vislumbrasse um meio para  melhor compreensão das relações sociais e dos seus mecanismos  psicológicos subjacentes, que ele chamou de Sociometria.
 
A Sociometria interessa-se pela compreensão das relações sociais (redes) existentes nos grupos. Estas redes relacionais são “teares” onde inumeráveis fios tecem-se nas  dimensões do tempo e do espaço mas não são facilmente vislumbradas, dado  que se estabelecem em duas dimensões: uma visível, aparente e outra  invisível, subjacente.
 
Essas relações ou vínculos são expressos a partir de sinais de  escolha, rejeição ou neutralidade (fatores qualitativos e emocionais)  emitidos por seus membros. Estes sinais possibilitam revelar uma série  de eventos que permitem compreender a estrutura psicológica de um grupo e  as formações que se estabelecem entre seus membros.
 
Os objetivos da Sociometria incluem facilitar a mudança construtiva  de indivíduos e grupos; aumentar a consciência, a empatia, a  reciprocidade e interações sociais; explorar padrões de escolha social e  reduzir os conflitos; esclarecer os papéis sociais, as relações  interpessoais e seus valores; revelar dinâmicas de grupo ostensivas e  secretas e ainda aumentar a coesão do grupo.
[1] 
Pierre Parlebas (1992: 38-41) reconhece três tendências da Sociometria:
 
1.      Uma metodologia de pesquisa experimental: através de um  método disciplinado e rigoroso que busca explorar a estrutura  sócio-afetiva dos grupos, os relacionamentos interpessoais e a dinâmica  relacional.
 
2.      Um instrumento de intervenção psico-sociológica (ou  pedagógica, ou terapêutica) que possibilita que os indivíduos participem  diretamente nas decisões que afetarão sua vida em grupo.
 
3.      Um conjunto de conhecimentos ligados à dinâmica de grupos e  a variados processos sociais que emana do estudo das relações entre o  individual e o sistema social.
 
Blatner e Blatner (1996) consideram que a Sociometria apela às  capacidades de iniciativa de cada indivíduo, valoriza os sentimentos e a  subjetividade, favorece a expressão desses sentimentos para com os  outros, implica as pessoas no seu contexto de vida real, convertendo-as  em investigadoras de suas próprias situações.
 
A Sociometria pode promover uma mudança positiva e determinar a  extensão dessa mudança bem como a avaliação do comportamento dentro dos  grupos. Ela pode ser um poderoso instrumento para reduzir conflitos e  melhorar a comunicação, porque permite ao grupo se ver de forma objetiva  e analisar a sua própria dinâmica.  Com a Sociometria é possível  promover uma investigação sobre a organização e a evolução dos  indivíduos e dos grupos, ela é “uma filosofia de pesquisa coletiva”  (Blatner & Blatner, 1996: 143).
 
Para que um grupo possa ser receptivo à Sociometria é preciso que  esteja familiarizado com métodos de grupo em abordagens de resolução de  conflitos. A resolução de conflitos exige espontaneidade, vontade de  mudar, flexibilidade existencial e coragem para se deparar com os  próprios conflitos e os conflitosinterpessoais.
 
A análise sociométrica possibilita que se detectem as redes  relacionais, convertendo o qualitativo em quantitativo e permitindo que  os dados sejam tabulados e transformados em gráficos que permitirão  visualizar tanto a situação individual de cada elemento no grupo, como  as relações positivas e negativas, as justificativas para as eleições,  os pontos de conflitos e muitos outros eventos sociométricos relativos à  necessidade dos grupos e do interesse dos sociometristas, a fim de que  possibilitem a otimização relacional do grupo, com o auxílio de  profissionais competentes envolvidos no e com o grupo.
 
A sociometria também confirma a existência de padrões  característicos da organização dos grupos, suas expressões e  configurações próprias. Ela não é somente um instrumento de diagnóstico  individual. Os resultados das análises podem ser examinados em três  níveis: os indivíduos, as relações interpessoais e as estruturas dos  grupos. 
 
Moreno (1972: 219) advertiu para a necessidade de precauções metodológicas durante a análise sociométrica  dentro de um grupo. A primeira, diz respeito a implicação dos  participantes nas decisões. A segunda, diz respeito ao critério  utilizado na aplicação, que deve ser dirigido para um projeto de ação  real, concreta e de importância para o momento do grupo. A terceira diz  que as instruções oferecidas devem ser suficientes e claras para assim  liberar a espontaneidade dos participantes durante o lançamento das suas  respostas.
 
Moreno basicamente propôs dois métodos sociométricos para análise das relações interpessoais, a análise objetiva e a perceptual.
 
A Análise Sociométrica Objetiva consiste em perguntar a cada  indivíduo dentro de um grupo “quem ele escolheria para realizar uma  determinada tarefa”. Obtém-se com ela uma perspectiva de conjunto das  estruturas do grupo tal como aparecem aos olhos de seus membros,  possibilitando averiguar como cada indivíduo no grupo escolhe e é  escolhido.
 
A Análise Sociométrica Perceptual, denominada por  “auto-avaliação sociométrica” ou a percepção que cada indivíduo tem  sobre sua posição no grupo, consiste em perguntar a cada  indivíduo “por  quem pensa/sente que seria escolhido para realizar uma determinada  tarefa”, indicando como acredita ser escolhido e percebido pelos demais  elementos do grupo.
 
A análise perceptual está baseada na Teoria do Tele. O conceito de Tele  pode ser compreendido como um indicador do fluir da dinâmica de um  grupo, implicando necessariamente em comunicação: se comunicar implica  estar em relação, comunicar é igual a relacionar. Assim, Tele é a  faculdade humana de comunicar afetos à distância.
 
O processo fundamental de Tele é a reciprocidade. Como fenômeno da interação, a Tele pode ser considerada como fator intrapsíquico, proporcionando um potencial télico para o indivíduo manter contatos e vínculos télicos e, como fator relacional  que determina a qualidade do vínculo entre duas pessoas. A Tele  determina a clareza de um vínculo e tudo o que interfere nessa clareza é  denominado por Moreno de transferência ou patologia do Tele.
 
A análise perceptual permite-nos compreender a capacidade de  perceber de uma pessoa e evidenciar o nível em que o sujeito percebe de  forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa em relação às  escolhas das outras pessoas. Kaufman (1992: 69) disse que tão  importante quanto escolher e ser escolhido é ter a possibilidade de  perceber corretamente a forma pelo qual se é escolhido pelos  companheiros.
 
O conjunto das preferências recíprocas constitui a trama da  estrutura sociométrica do grupo e, quando estão representadas  graficamente por meio de sociogramas, aparece o que Moreno designa por  redes de comunicação, isto é, as vias pelas quais passam todos os  fenômenos psicossociais do grupo.
 
A Sociometria, como outras abordagens, não se limitou às idéias  primeiras de seu criador. Após lançar a Sociometria ao mundo, Moreno  (1972) não pôde controlar seus significados e aplicações, indicando que  as Técnicas Sociométricas foram melhor compreendidas do que a Filosofia  que as continha.
 
Moreno foi um homem à frente do seu tempo, suas propostas sociométricas, entre outras, podem hoje ser revisitadas e reconsideradas à luz de novas possibilidades,  visto que continuam atuais e pertinentes ao contexto da modernidade.  Por exemplo, no estudo das redes sociais, visto que compreender essas  redes hoje é indiscutível. Assim, a proposta Sociométrica Moreniana  precisa ser contextualizada ao momento em que “o presente está cada vez mais curto e o futuro está cada vez mais próximo” (Vergara & Viera, 2005: 108), representando um grande desafio ao educador.
 
Referências:
 
BLATNER, Adam & BLATNER, Allee (1996). Uma visão global do  Psicodrama: fundamentos históricos, teóricos e práticos. São Paulo:  Ágora.
 
BUBER, M. (1974). Eu e tu. São Paulo: Centauro. 
 
KAUFMAN, A. Teatro Pedagógico – bastidores da iniciação médica. São Paulo:Ágora, 1992. 143p.
 
MORENO, Jacob Levy (1972). Fundamentos de la Sociometría. Buenos Aires: Paidós.
 
MORENO, Jacob Levy (1992). Quem sobreviverá? Fundamentos da  Sociometria, Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Goiânia: Dimensão.  Volumes I, II e III.
 
MOSCOVICI, Fela. (1998) Desenvolvimento interpessoal. Rio de Janeiro: José Olympio.
 
PARLEBAS, P. (1992). Sociométrie, réseaux et communication. Paris : Presses Universitaires de France.
 
PERRENOUD, P. & THURLER, M. G. (2002). As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed.
 
ROCHA, F. E. C. et al. (2003). Mapeamento das relações  interpessoais em três assentamentos de reforma agrária de Unaí, MG . In  Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 20, n. 2, p. 305-323,  mai/ago. 
 
VERGARA, S; VIEIRA, Marcelo. (2005). Sobre a dimensão do  tempo-espaço na análise organizacional. In Revista de Administração  Contemporânea.  9, 2, 103-119.
 
Texto originalmente publicado em MACUCH, R. (2010).  As dinâmicas relacionais na escola secundária e o desenvolvimento de  competências relacionais em jovens . Tese de Doutoramento em Educação.  Universidade do Porto, Portugal.
 
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