foto: Dagmar, 2011
Na atualidade, não se concebe mais uma relação professor aluno de forma verticalizada, onde o primeiro apresenta os conteúdos expositivamente e sem que haja interação do educando de forma prática. Seja pela resolução de exercícios, respostas a questionários, atividades de produção textual ou qualquer outra forma de promover a participação do aprendiz na construção do conhecimento. Se assim o é nas disciplinas curriculares como Língua Portuguesa, Matemática, História e todas as demais, o que então dizer de Educação Física e Arte? Não é possível imaginar uma aula sobre modalidades esportivas sem praticá-las, ou proporcionar aos alunos um jogo em equipe. Assim também é com a arte. Como falar das cores, das texturas, das expressões, sem que o aluno possa experimentá-las? Uma aula sobre história da arte pode ser até certo ponto apenas um estudo de uma linha temporal, mas seus significados ultrapassam o espaço de tempo e configura-se no campo da subjetividade de forma muito mai abrangente do que simples produto estético.
Assim, as oficinas de arte ou também as aulas de arte, podem e devem ser ‘recheadas” de momentos em que o aluno terá a possibilidade de encontrar-se com o artista e dialogar com ele através da criatividade, da interpretação e reinvenção o tempo todo. Quando o professor faz o elo entre a teoria de sua aula com várias atividades práticas, onde seus alunos terão a oportunidade de experimentar a vivência estética de uma obra, por exemplo, estará também promovendo a aprendizagem significativa. Dewey deixa bem claro, em seu pensamento que a idéia só é uma verdade, ou útil, quando posta em prática na finalidade de solucionar uma problemática. Uma idéia se torna verdade, quando sai do campo teórico para de fato ser aplicada na prática. Assim o professor deve direcionar as suas aulas.
A tendência pragmatista, surgida antes do movimento da escola nova já se sensibilizava com o conhecimento empírico. Para Sanders Peirce, a verdade de uma idéia resulta de suas conseqüências práticas. O termo pragma indica a valorização dada ao concreto, ou seja, uma proposição é verdadeira quando funciona, quando permite nos orientarmos na realidade e que nos leva de uma experiência à outra. A validade de uma idéia está na concretização dos resultados que desejamos alcançar.
A ideologia da pedagogia pragmatista pode ser resumida na idéia de “que se refere à ação, ao Sucesso ou à prática; também significa útil e eficaz.” (ARANHA, p.36)
JOHN DEWEY, A ESCOLA NOVA E SUAS HERANÇAS PARA A PRÁTICA EDUCACIONAL EM ARTE
O pensamento de Dewey na educação, iniciou com Charles Peirce e posteriormente, com William James (1842-1910), ambos importantes filósofos americanos. O pragmatismo recusa “sistemas fechados, com pretensões ao absoluto, voltando-se para o concreto, para os fatos, para a ação” (ARANHA, 2006).
Assim, o filósofo norte-americano John Dewey (189-1952) foi influenciado pelo pragmatismo de William James e tornou-se um dos maiores teóricos da Escola Nova. Denominou sua teoria como instrumentalismo ou funcionalismo, uma vez que as idéias, para ele, tem valor instrumental na resolução de problemas que resultam da experiência humana. Portanto, o conhecimento é uma atividade dirigida e não tem um fim em si mesmo, mas será voltado para a experiência. As idéias só são hipóteses de ação sendo verdadeiras somente, na medida em que funcionam como orientadoras da ação.
Para Dewey, vida, experiência e aprendizagem não se separam. Ressalta o papel ativo do aluno estimulando o espírito de iniciativa e a sua independência. Dewey define a educação como “uma reconstrução ou reorganização da experiência, que esclarece e aumenta o sentido desta e também a aptidão para dirigirmos o curso das experiências subseqüentes”. (Dewey apud Aranha, 2006)
No Brasil, com a influência de Dewey, Anísio Teixeira usava a expressão “escola progressiva”. Não abonimou o ensino do saber historicamente construído, apenas questionou a forma de sua aplicação, sob repetições contínuas e memorizações do conteúdo sem uma efetiva ligação com a realidade e o cotidiano do aluno. Como se o conhecimento fosse uma verdade acabada, pronta e inquestionável, que não necessitasse da interação do aluno com seus questionamentos, pesquisa e hipóteses. Pensava ser necessário dar condições ao aluno para questionar e desenvolver uma atitude científica, a fim de aprender por si mesmo. Anísio defendeu a educação democrática, dizendo que a educação é um direito e que portanto, não poderia continuar sendo um privilégio da elite.
Segundo Dewey, o desenvolvimento tecnológico e a vida democrática tinham na escola um instrumento ideal, por meio do qual os benefícios da educação seriam estendidos a todos, indistintamente. Portanto, adequar a escola com o desenvolvimento da sociedade é dar condições ao educando de ter o seu lugar dentro desta. Atividades práticas, para Dewey, apresentam problemas concretos para serem resolvidos e que o indivíduo aprende atuando na busca das soluções. O conhecimento não se mostra estanque e nem absoluto, mas a interação do educando transforma o conhecimento em experiência, que retorna ao campo teórico enriquecido e apreendido.
A educação progressista consiste no crescimento constante da vida à medida que aumentamos o conteúdo da experiência e o controle que exercemos sobre ela. Dewey destaca o interesse como a “mola” propulsora da aquisição do conhecimento, assim o professor deve procurar o estímulo do interesse do aluno e avançar no conteúdo, na medida em que o interesse da criança for satisfeito e gerar novas expectativas com apoio no que já adquiriu. Ocorre então a aprendizagem significativa e não aquisição de conteúdo inócuo e descartável.
Para Dewey, o professor não está na sala de aula para impor suas idéias e influenciar hábitos nas crianças, mas para ajudar a selecionar as influências que incidirão na escolha de seus alunos para que reajam e respondam convenientemente a estas influências. Ao contrário da educação tradicional que foca a obediência, Dewey defende na Escola Nova a iniciativa e a independência que leva a autonomia e ao auto-governo.
Desenvolver a autonomia da aprendizagem no aluno é possibilitar-lhe interagir de forma independente com o conhecimento historicamente construído. A autonomia permite questionamentos, busca e pesquisa, de acordo com a necessidade e a realidade contextualizada do aprendiz, onde ele poderá lançar-se como produtor deste conhecimento agregando valores.
Sem dúvida, a Escola Nova, sob influência de Dewey deixou-nos heranças positivas e significativas, que permeiam as diversas modalidades de ensino na busca de uma construção social mais igualitária e democrática, que dê a todos a oportunidade de aquisição do conhecimento e a escolarização ainda escassa em algumas camadas sociais.
Assim sendo,
O antigo adágio de que “gosto não se discute” pode até ser verdadeiro, mas não deve esconder o fato de que o gosto é suscetível de desenvolvimento. Isso é também uma experiência comum que todos podemos comprovar em campos mais modestos. Para as pessoas que não estão habituadas a tomar chá, uma mistura pode ter exatamente o mesmo sabor da outra. Mas se dispuserem de tempo, vontade e oportunidade para explorar quantos refinamentos podem existir, é possível que se convertam em autênticos connaisseurs[1] capazes de distinguir o tipo e a mistura preferíveis, e seu maior conhecimento certamente aumentará o prazer propiciado pelas misturas mais requintadas. (GOMBRICH, 1995, p.36 in Ostetto)
Neste artigo, Ostetto refere-se exclusivamente ao desenvolvimento do gosto pessoal,
mas porque não aproveitar este conceito para aplicação no ensino da arte como um todo? Este é o papel do professor generalista, enquanto educador, oferecer possibilidades, variedades e variações e condições de a criança a prender a aprender e a escolher com consciência.
O papel do professor na atualidade é, sem dúvida, o de ser o fio condutor dos saberes e, sobretudo, canal para a construção de novos conhecimentos. Que este seja um agente facilitador que abre portas e janelas para o crescimento humano.
É importante que o professor como elemento de transgressão dentro da escola, na medida em que se coloca em posição de pesquisador inacabado e em constante busca do saber. Como nos diz Leite e Ostetto no livro em que organizaram:
“[...]falamos de criação, de afirmação da autoria – que se faz transgressão na escola e na vida. Apontamos a necessidade de rever conceitos e de estruturar teoricamente esse campo de conhecimento que se situa na interface da arte com a educação [...] diálogo com diferentes linguagens, ao ensaio de novos olhares para a formação de professores, a fim de contemplar a formação cultural [...] somos duas professoras, pedagogas de formação, com histórias que se encontravam e se identificavam [...] falar de suas experiências, de suas pesquisas, de sua aproximação com o universo artístico-cultural [...]” (LEITE e OSTETTO, 2005, p.11)
É importante ainda ressaltar que não se trata apenas de identificar aspectos da evolução histórica do ensino de Arte no Brasil, mas como ela se deu no passado e quais as possibilidades e debates que abrem as portas para o futuro. Oferecer ao aluno possibilidades de ampliar seu rol de conhecimento, de signos, de conceitos, de escolhas através da apropriação cultural é fundamental e pode ser realizado por professores generalistas e especialistas. Não importa. Neste caso, o que se mostra relevante é proporcionar ao aluno que se identifique e se situe na história através do conhecimento de suas origens culturais. A Arte é um caminho possível e necessário para este fim.
Então, ao professor generalista é estendida a possibilidade de ser um “braço” da Arte dentro da escola. Leite e Ostetto (2005), corroboram com a idéia de que o professor generalista deve participar ativamente do processo de ensino-aprendizagem artística com seus alunos. Através de suas pesquisas realizadas na área, reúnem depoimentos de diversos professores que relatam suas experiências na área artística e denominam estes relatos de “vozes”(p.11), que puderam reunir vivências de “cantos diversos desse imenso Brasil, falando de instituições diferenciadas de educação e cultura” (p.11). Com este trabalho permitem lançar um olhar mais atento às ações, muitas vezes isoladas e solitárias, dos professores que não são especialistas em arte, mas que se munem de conhecimento teórico e realizam trabalhos de qualidade.
Segundo Leite e Ostetto (2005) é plenamente possível atuar no ensino da arte como expressão cultural “pensando a educação estética, a educação do olhar, a formação cultural do ser humano sensível, implicado no mundo que o cerca” (p. 11-12). Vêem-se claramente os conceitos abordados antes neste trabalho, por Barbosa (2008a), sobre o ver, sentir, pensar e fazer arte.
É uma experiência que pode ser extremamente enriquecedora para professores e alunos. Uma ida ao museu, um passeio pelo centro histórico, a observação de estatuetas nas praças, o lançar de olhares admirados nas pinturas internas de igrejas barrocas, o contato com a arte indígena, ou mesmo realizar produções artísticas em sala de aula a partir da observação de obras de Arte. É como dizer que os pais são os olhos do bebê para o mundo, pois é através deles que os pequenos aprendem a olhar para o que está ao seu redor. Assim também o professor é uma janela para o mundo que cerca seus alunos.
PARA SABER MAIS:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e do Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 2006.
BARBOSA, Ana Mae . A imagem no ensino da arte. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008a.
BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
OSTETTO, Luciana E.; LEITE, Maria Isabel (orgs.). Museu, educação e cultura: encontros de crianças e professores com a arte. 2. ed. Campinas: Papirus, 2005.
OSTETTO, Luciana E. As crianças gostam! E o professor, não discute? In: Módulo 2, Tema 8, unidade 8.3. EI. P. 58-61.
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