“A maior ofensa que podemos fazer a um amigo é prestar-lhe um favor e o maior dos revides é a ingratidão”. Na época, não entendi. Posteriormente vi a profundeza e justeza daquele pensamento.
Existe uma grande diferença entre o favor e o amor.
Fazer algo por amor é fazê-lo livremente, de bom grado, sem nenhuma espera de retorno, seja consciente ou inconsciente. É também amor a ajuda que presto a alguém, combinando claramente o retorno esperado. Uma troca explicita, proporcional. É a reciprocidade combinada.
O favor, ao contrário, é fruto de uma certa esperteza. Faço algo por alguém, dizendo ser gratuito, mas posteriormente exijo reciprocidade, reconhecimento, gratidão. Só terá ingratos na vida quem se acostumou a prestar favores. A minha definição de ingratidão mostra o significado disso.
Chamamos de ingrato a pessoa que não se “vendeu” aos nossos favores. Ela recebeu o favor como se fosse amor e permaneceu livre, podendo nos dar o sim ou o não, conforme seu desejo, na época da cobrança.
Tornou-se comum nas relações um jogo que denomino o jogo da renúncia. Esse jogo consiste em a pessoa abrir mão das próprias coisas, do próprio tempo, das próprias necessidades em nome do amor ao outro e, mais tarde essa pessoa se sente frustrada, decepcionada quando o outro não abre mão por ela. Tal jogo foi confundido, durante muito tempo, como sendo a mais alta forma de amar.
“Amar é renunciar”. “Amar é sacrificar-se pelo outro”. Por isso mesmo, alguém falou, de maneira, irônica, que o casamento é feito de um dono, uma dona e dois escravos. Não estou falando da intenção. Muitas pessoas dizem que quando fizeram algo por outrem, não tinham a intenção de cobrar, que o fizeram espontaneamente e por generosidade.
Medimos o grau de renuncia pelo grau de descontentamento e mágoa que sentimos, quando a pessoa que foi por nós ajudada, nos deu um “não”.
A bondade só é virtude quando for verdadeira. Fazer algo nos sacrificando, por obrigação, sem uma vontade genuína de fazê-lo, por pena ou por medo de desagradar é a raiz de exigências futuras e da possível sensação de ingratidão.
O sentimento de agradecimento é bonito e devemos cultivá-lo. Esperá-lo obrigatoriamente do outro é que é o problema. É preferível negar algo que nos foi pedido do que fazer e me escravizar na espera do reconhecimento do outro.
...Não toleramos o “não” do outro porque não sabemos dar o “não”. Dois sentimentos negativos estão atrás dessa nossa incapacidade: a culpa e a pena. Nossa onipotência de pensar em resolver os problemas de todas as pessoas, a sensação de superioridade por estarmos ajudando não nos permitem a humildade de aceitar que somos limitados e que, por isso mesmo, não podemos ou não queremos ajudar alguém naquela época ou naquela circunstância. Isso também se aplica às outras pessoas, ainda que tenham sido ajudadas por nós. No fundo, há um temor de não sermos amados, de sermos rejeitados por aqueles a quem negamos um favor.
A bondade exagerada é uma forma de comprar o amor do outro, sob a forma de gratidão e de escravidão aos nossos desejos. Não há nenhuma moeda que compre o amor. Essa tentativa de sermos amados através dos nossos favores, explica a sensação de injustiçados, ofendidos e magoados quando os “ingratos” exercerem o seu direito sagrado de continuarem livres para o “sim” e para o “não”.
Antônio Roberto Soares
terça-feira, 3 de abril de 2012
INGRATIDÃO
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