terça-feira, 3 de abril de 2012

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOCIOMETRIA

O ser humano é essencialmente um ser relacional que existe e torna-se pessoa à medida que se relaciona consigo e com os outros. Ser é ser com o outro. Como toda interação humana baseia-se no estabelecimento de relações interpessoais, uma pessoa está sempre em relação, a partir das situações concretas dos seus encontros e desencontros na vida.

Para Buber (1974), o primordial quando se trata de relações humanas é o que está no “entre”, ou seja, o significado do inter-humano não será encontrado em qualquer um dos parceiros de uma relação, nem nos dois juntos, mas somente no diálogo entre eles. O que se passa no “entre” das relações são fenômenos intersubjetivos ontológicos.

O indivíduo está na sociedade que está no indivíduo. Tal interdependência pode ser compreendida a partir do estudos dos grupos.Quando um indivíduo começa a participar em um grupo traz consigo diferenças de percepção, opiniões e sentimentos em relação aos demais. Se as diferenças são aceites no grupo, a comunicação flui facilmente e as pessoas ouvem-se umas às outras e têm possibilidades de dar e receber feedback. Se as diferenças não são aceitas, a comunicação passa a fluir com distorções, as pessoas não dizem o que gostariam e não escutam umas às outras. (Rocha, 2003: 307)
As relações grupais são alternadas entre o equilíbrio e o desequilíbrio e nem sempre os elementos integrantes em um grupo conseguem ultrapassar as dificuldades como a competição, as relações de poder, a ordem/desordem, os conflitos e os ruídos que permeiam seu funcionamento. São nestes momentos, em especial, que podemos melhor observar as competências dos sujeitos para se relacionar.
À medida que as atividades e as interações prosseguem nas situações de grupo os sentimentos despertados podem ser diferentes dos esperados inicialmente e, inevitavelmente, influenciarão as interações e as próprias atividades. Fela Moscovici considera que sentimentos de atração provocarão aumento de interação e cooperação, repercutindo favoravelmente nas atividades. Sentimentos de rejeição tenderão a provocar diminuição das interações, afastamento e menor comunicação, repercutindo desfavoravelmente nas atividades (Moscovici, 1998: 34).
As competências relacionais estão inseridas no espaço das relações, ou seja, no “entre” das relações, visto que não pertencem única e exclusivamente ao indivíduo, mas também, ao coletivo, pelo fato de que ninguém é competente relacionalmente sozinho e a sociedade se organiza por meio de suas redes relacionais.
Por competências, podemos considerar o que disse Perrenoud (2002: 141-145) “há uma espécie de consenso tácito no que se refere à semântica da palavra competência: as pessoas é que são ou não competentes e toda tentativa de atribuição de competência a objetos ou artefatos parece insólita ou inadequada”. Desta forma, a pessoalidade é a primeira característica da idéia de competência. Outro elemento que a caracteriza, diz respeito ao âmbito no qual ela se exerce: “não existe uma competência sem a referência a um contexto no qual ela se materializa”. O terceiro elemento da competência é a mobilização ou “a capacidade de recorrer ao que se sabe para realizar o que se deseja, o que se projeta”.
Baseada em uma perspectiva de educação vista como um fenômeno humano assentado no relacionamento interpessoal e em uma visão integrada dos saberes, fatos e acontecimentos, acredito que compete à educação desenvolver a capacidade de construção e de adaptação à mudança, buscando sempre as duas vertentes constitutivas básicas do ser humano: a individualidade e a socialização, uma vez que é por meio destes processos que o ser humano desenvolve suas competências para se relacionar consigo e com os outros.
Relacionar implica escolher. O ato de escolher envolve uma gama de motivações. Para Moreno (1992: 720) as escolhas são fatos fundamentais em todas as relações humanas. Elas são de primeira ordem existencial e não exigem qualquer justificação especial, desde que sejam espontâneas e verdadeiras para quem escolhe. Assim, quando as pessoas levam em conta suas redes sociais, descobrem com quem e com que frequência preferem compartilhar suas atividades.
O fato de as pessoas fazerem escolhas nas suas relações interpessoais e se autorizarem a explicitar essas escolhas possibilitou que Jacob Levy Moreno, em meados de 1930, vislumbrasse um meio para melhor compreensão das relações sociais e dos seus mecanismos psicológicos subjacentes, que ele chamou de Sociometria.
A Sociometria interessa-se pela compreensão das relações sociais (redes) existentes nos grupos. Estas redes relacionais são “teares” onde inumeráveis fios tecem-se nas dimensões do tempo e do espaço mas não são facilmente vislumbradas, dado que se estabelecem em duas dimensões: uma visível, aparente e outra invisível, subjacente.
Essas relações ou vínculos são expressos a partir de sinais de escolha, rejeição ou neutralidade (fatores qualitativos e emocionais) emitidos por seus membros. Estes sinais possibilitam revelar uma série de eventos que permitem compreender a estrutura psicológica de um grupo e as formações que se estabelecem entre seus membros.
Os objetivos da Sociometria incluem facilitar a mudança construtiva de indivíduos e grupos; aumentar a consciência, a empatia, a reciprocidade e interações sociais; explorar padrões de escolha social e reduzir os conflitos; esclarecer os papéis sociais, as relações interpessoais e seus valores; revelar dinâmicas de grupo ostensivas e secretas e ainda aumentar a coesão do grupo.[1]
Pierre Parlebas (1992: 38-41) reconhece três tendências da Sociometria:
1. Uma metodologia de pesquisa experimental: através de um método disciplinado e rigoroso que busca explorar a estrutura sócio-afetiva dos grupos, os relacionamentos interpessoais e a dinâmica relacional.
2. Um instrumento de intervenção psico-sociológica (ou pedagógica, ou terapêutica) que possibilita que os indivíduos participem diretamente nas decisões que afetarão sua vida em grupo.
3. Um conjunto de conhecimentos ligados à dinâmica de grupos e a variados processos sociais que emana do estudo das relações entre o individual e o sistema social.
Blatner e Blatner (1996) consideram que a Sociometria apela às capacidades de iniciativa de cada indivíduo, valoriza os sentimentos e a subjetividade, favorece a expressão desses sentimentos para com os outros, implica as pessoas no seu contexto de vida real, convertendo-as em investigadoras de suas próprias situações.
A Sociometria pode promover uma mudança positiva e determinar a extensão dessa mudança bem como a avaliação do comportamento dentro dos grupos. Ela pode ser um poderoso instrumento para reduzir conflitos e melhorar a comunicação, porque permite ao grupo se ver de forma objetiva e analisar a sua própria dinâmica. Com a Sociometria é possível promover uma investigação sobre a organização e a evolução dos indivíduos e dos grupos, ela é “uma filosofia de pesquisa coletiva” (Blatner & Blatner, 1996: 143).
Para que um grupo possa ser receptivo à Sociometria é preciso que esteja familiarizado com métodos de grupo em abordagens de resolução de conflitos. A resolução de conflitos exige espontaneidade, vontade de mudar, flexibilidade existencial e coragem para se deparar com os próprios conflitos e os conflitosinterpessoais.
A análise sociométrica possibilita que se detectem as redes relacionais, convertendo o qualitativo em quantitativo e permitindo que os dados sejam tabulados e transformados em gráficos que permitirão visualizar tanto a situação individual de cada elemento no grupo, como as relações positivas e negativas, as justificativas para as eleições, os pontos de conflitos e muitos outros eventos sociométricos relativos à necessidade dos grupos e do interesse dos sociometristas, a fim de que possibilitem a otimização relacional do grupo, com o auxílio de profissionais competentes envolvidos no e com o grupo.
A sociometria também confirma a existência de padrões característicos da organização dos grupos, suas expressões e configurações próprias. Ela não é somente um instrumento de diagnóstico individual. Os resultados das análises podem ser examinados em três níveis: os indivíduos, as relações interpessoais e as estruturas dos grupos.
Moreno (1972: 219) advertiu para a necessidade de precauções metodológicas durante a análise sociométrica dentro de um grupo. A primeira, diz respeito a implicação dos participantes nas decisões. A segunda, diz respeito ao critério utilizado na aplicação, que deve ser dirigido para um projeto de ação real, concreta e de importância para o momento do grupo. A terceira diz que as instruções oferecidas devem ser suficientes e claras para assim liberar a espontaneidade dos participantes durante o lançamento das suas respostas.
Moreno basicamente propôs dois métodos sociométricos para análise das relações interpessoais, a análise objetiva e a perceptual.
A Análise Sociométrica Objetiva consiste em perguntar a cada indivíduo dentro de um grupo “quem ele escolheria para realizar uma determinada tarefa”. Obtém-se com ela uma perspectiva de conjunto das estruturas do grupo tal como aparecem aos olhos de seus membros, possibilitando averiguar como cada indivíduo no grupo escolhe e é escolhido.
A Análise Sociométrica Perceptual, denominada por “auto-avaliação sociométrica” ou a percepção que cada indivíduo tem sobre sua posição no grupo, consiste em perguntar a cada indivíduo “por quem pensa/sente que seria escolhido para realizar uma determinada tarefa”, indicando como acredita ser escolhido e percebido pelos demais elementos do grupo.
A análise perceptual está baseada na Teoria do Tele. O conceito de Tele pode ser compreendido como um indicador do fluir da dinâmica de um grupo, implicando necessariamente em comunicação: se comunicar implica estar em relação, comunicar é igual a relacionar. Assim, Tele é a faculdade humana de comunicar afetos à distância.
O processo fundamental de Tele é a reciprocidade. Como fenômeno da interação, a Tele pode ser considerada como fator intrapsíquico, proporcionando um potencial télico para o indivíduo manter contatos e vínculos télicos e, como fator relacional que determina a qualidade do vínculo entre duas pessoas. A Tele determina a clareza de um vínculo e tudo o que interfere nessa clareza é denominado por Moreno de transferência ou patologia do Tele.
A análise perceptual permite-nos compreender a capacidade de perceber de uma pessoa e evidenciar o nível em que o sujeito percebe de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa em relação às escolhas das outras pessoas. Kaufman (1992: 69) disse que tão importante quanto escolher e ser escolhido é ter a possibilidade de perceber corretamente a forma pelo qual se é escolhido pelos companheiros.
O conjunto das preferências recíprocas constitui a trama da estrutura sociométrica do grupo e, quando estão representadas graficamente por meio de sociogramas, aparece o que Moreno designa por redes de comunicação, isto é, as vias pelas quais passam todos os fenômenos psicossociais do grupo.
A Sociometria, como outras abordagens, não se limitou às idéias primeiras de seu criador. Após lançar a Sociometria ao mundo, Moreno (1972) não pôde controlar seus significados e aplicações, indicando que as Técnicas Sociométricas foram melhor compreendidas do que a Filosofia que as continha.
Moreno foi um homem à frente do seu tempo, suas propostas sociométricas, entre outras, podem hoje ser revisitadas e reconsideradas à luz de novas possibilidades, visto que continuam atuais e pertinentes ao contexto da modernidade. Por exemplo, no estudo das redes sociais, visto que compreender essas redes hoje é indiscutível. Assim, a proposta Sociométrica Moreniana precisa ser contextualizada ao momento em que “o presente está cada vez mais curto e o futuro está cada vez mais próximo” (Vergara & Viera, 2005: 108), representando um grande desafio ao educador.

Referências:
BLATNER, Adam & BLATNER, Allee (1996). Uma visão global do Psicodrama: fundamentos históricos, teóricos e práticos. São Paulo: Ágora.
BUBER, M. (1974). Eu e tu. São Paulo: Centauro.
KAUFMAN, A. Teatro Pedagógico – bastidores da iniciação médica. São Paulo:Ágora, 1992. 143p.
MORENO, Jacob Levy (1972). Fundamentos de la Sociometría. Buenos Aires: Paidós.
MORENO, Jacob Levy (1992). Quem sobreviverá? Fundamentos da Sociometria, Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Goiânia: Dimensão. Volumes I, II e III.
MOSCOVICI, Fela. (1998) Desenvolvimento interpessoal. Rio de Janeiro: José Olympio.
PARLEBAS, P. (1992). Sociométrie, réseaux et communication. Paris : Presses Universitaires de France.
PERRENOUD, P. & THURLER, M. G. (2002). As competências para ensinar no século XXI. Porto Alegre: Artmed.
ROCHA, F. E. C. et al. (2003). Mapeamento das relações interpessoais em três assentamentos de reforma agrária de Unaí, MG . In Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 20, n. 2, p. 305-323, mai/ago.
VERGARA, S; VIEIRA, Marcelo. (2005). Sobre a dimensão do tempo-espaço na análise organizacional. In Revista de Administração Contemporânea. 9, 2, 103-119.
Texto originalmente publicado em MACUCH, R. (2010). As dinâmicas relacionais na escola secundária e o desenvolvimento de competências relacionais em jovens . Tese de Doutoramento em Educação. Universidade do Porto, Portugal.

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