segunda-feira, 12 de março de 2012

ESCOLA E DISCIPLINA: UMA ABORDAGEM FOUCAULTIANA

Juliano Luis Borges

Resumo

O objetivo fundamental da escola não é mais qualidade de ensino ou elaboração de meios que facilitem o aprendizado. Esse fato acarreta indagações e incertezas sobre o funcionamento da instituição escolar. Para esclarecer essas questões e fornecer os elementos para uma análise dessa realidade Michel Foucault se apresenta como a principal referência teórica, possibilitando a compreensão das relações presentes no cotidiano escolar. Nas relações de poder contidas nesse ambiente, o “poder disciplinar” demonstra toda sua eficácia. Os mecanismos componentes desse poder são os responsáveis pela afirmação de um sistema punitivo que move toda “engrenagem” educacional.

Palavras-chave: escola, poder, disciplina, vigilância, punição.

1- INTRODUÇÃO

Nas pesquisas realizadas para o trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais sobre o papel da Sociologia nas Escolas Estaduais, um problema não delimitado anteriormente emergiu nos entremeios do contato com professores e alunos (não apenas de Sociologia) em reuniões periódicas realizadas nas escolas. Desde planejamento didático, financeiro, lazer e até apenas comunicados, a discussão disciplinar permeia os diálogos. Essa questão, de uma nitidez até certo ponto enfática, sobrepõe-se a todas as outras problemáticas no cotidiano escolar constituindo-se, num desafio e uma preocupação essencialmente explícita.

Todo conteúdo e prática exigidos por lei e conduzidos por parâmetros curriculares sobre o sentido e objetivo da educação acabam, em contextos específicos, adquirindo roupagens diferenciadas[1]. Nas discussões sobre o universo escolar em sua totalidade a fala predominante não se baseava no processo educacional em si - ações pedagógicas, melhorias nos programas, materiais didáticos, projetos educativos, etc - mas sim, na questão disciplinar.

Para uma reflexão teórica sobre a disciplina, uma dos várias questões que permeiam o cotidiano escolar, e entendê-la como um conjunto de relações pertencentes às esferas sociais, a análise de Michel Focault presente, fundamentalmente, em “Vigiar e punir” constitui-se na principal referência deste trabalho[2].

A disciplina torna-se o grande alvo a ser alcançado e a responsável em manter o nível de aprendizado em um patamar aceitável. Segundo essa perspectiva, é através da disciplina dos alunos e dos professores que o sistema educativo se engrena. Manter o professor em um regime disciplinar como de operários fabris, produzindo em todo tempo designado e, impondo ao aluno seu poder como forma de utilizar o tempo como máximo de proveito, torna-se o objetivo almejado.

A relação hierárquica no ambiente escolar revela como a disciplina dociliza os corpos e os coage numa constante utilização.

A escola configura-se como um ambiente parecido com uma prisão em sua disposição física, seus mecanismos de disciplinarização, sua organização hierárquica, sua vigilância constante. Essa analogia refere-se ao sistema penitenciário no contexto apresentado por Foucault, em que as prisões disciplinares tinham por objetivo a readaptação e integração de “corpos dóceis” à sociedade[3].

Compreender o porquê da ênfase das escolas com a questão disciplinar e entender como as mesmas exercem esse poder é o escopo desse trabalho. Recorrendo conceitos de poder, disciplina, vigilância e, seus desdobramentos essa análise se assenta, fundamentalmente, numa abordagem foucaultiana. É através dessa análise que as relações de poder contidas no universo escolar adquirem uma visibilidade concreta e sistemática. É uma questão importante em sua teoria entender essas relações não somente como algo negativo, mas também produtivo.

Característica da sociedade contemporânea, a disciplina percorre instituições apresentando todo seu poder, produzindo indivíduos e utilizando-os como seus instrumentos.

2- O PODER E SEUS DESDOBRAMENTOS

Para uma definição conceitual de poder é necessário remeter a reflexões indissociáveis à análise política e suas relações. O poder se expressa nas diversas relações sociais, assim, pode-se falar em relações de poder.

A luz dessa afirmação, não atendo-se à profundidade do conceito, onde existem relações de poder existe política[4]. A política se expressa nas diversas formas de poder e pode ser entendida de duas maneiras: num “sentido restrito” e num “sentido amplo”.

No sentido restrito refere-se à política relacionada ao Estado e num sentido mais abrangente consideram-se outras dimensões da vida social não menos importantes.

Em sua famosa conferência, “A Política como Vocação”, Max Weber afirma que a política não se restringe ao campo institucional estatal e, explicita claramente, que a política permeia outras atividades da vida cotidiana. “Hoje, nossas reflexões não se baseiam, decerto, num conceito tão amplo. Queremos compreender como política apenas a liderança, ou a influência sobre a liderança, de uma associação política, e, daí hoje, de um Estado” (WEBER, 1974, p. 97).

Apesar das considerações acerca da abrangência das relações políticas, nessa abordagem, Weber atém-se à análise do Estado e seus desdobramentos e, aponta caminhos analíticos sobre outras esferas da vida social.

Localizar o poder em um lugar específico, pontualmente o Estado, é um grande erro, pois, como foi apresentado, existem relações de poder, e estas estão presentes não apenas no aparelho estatal. Conceituar as relações de poder somente interligadas ao campo institucional do Estado parece ser um pouco simplista, ver o Estado como ponto de referência do poder não corresponde a toda sua amplitude. Conceber as relações de poder restritamente mascara seu caráter extremamente amplo.

O Estado é um órgão que possui poder, mas não se restringe a ele, não é a única referência de poder. Deve-se tratar o poder inserido nas relações e não entendê-lo vulgarmente através de concepções que o coisificam.

Se somos todos, como já enfatizei, fatores de poder e, além do mais, se o poder não se resume tão-somente ao poder estatal, todos aqueles que se integram à luta pela democratização da sociedade e das relações autoritárias de poder que se expressam tanto a nível de Estado como no cotidiano da vida social e afetiva. Volto a repetir que as relações de poder são multiformes, apresentam mil e uma faces e não escolhem lugares para se manifestarem (PARANHOS, 2000, p.58).

Segundo a ótica foucaultiana as relações de poder se manifestam de múltiplas formas, não possuem localização nem sujeitos específicos.

Quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso (FOUCAULT, 2003, p. 179).

Ter o poder, buscar o poder são expressões que o transforma em coisa, que se tira ou se dá, que se conquista ou se perde. O poder é composto por relações dispersas em toda sociedade, todos são sujeitos e objetos de poder.

(...) o poder não deve ser encarado exclusivamente como algo que atua sobre nós, como se nos limitássemos a ser objeto de sua ação. Ele também é exercido por nós, o que nos coloca simultaneamente na condição de sujeitos e objeto do exercício do poder (PARANHOS, 2000, p.56).

Entender o poder como algo palpável, como uma coisa que se adquire ou se compra, consiste em um grande engodo.

Dispomos da afirmação que o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força (FOUCAULT, 2003, p. 175).

O autor apresenta as relações de poder como constitutiva da vida social concebendo os indivíduos como transmissores que o poder perpassa sendo, assim, “efeitos de poder”.

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder, são sempre centros de sua transmissão (FOUCAULT, 2003, p. 183).

Foucault afirma que o poder penetra na vida cotidiana não se fixando nas relações estatais, essa característica denominada “micro-poder”. Analisa também que esses “micro-poderes” possuem uma história específica e se relacionam com o poder presente no aparelho do Estado. Essas duas modalidades de poder se articulam - os micro-poderes não são subordinados ao poder estatal -, se intercruzam - mas não são interdependentes - nos diversos níveis das relações sociais.

Muitas vezes o poder é associado à dominação, aqueles que possuem poder dominam outros indivíduos que, por sua vez, são destituídos de qualquer forma poder. Identificar poder e dominação é muito comum, porém nem toda relação de poder envolve dominação. Não é correto considerar que “(...) toda relação política envolve necessariamente uma relação de dominação” (PARANHOS, 2000, p.59).

Avançando mais ainda nessa questão, pensar o poder no sentido de dominação o conota como algo perverso e negativo. Nesse sentido Foucault discorre acerca dessa problemática, diz que deve-se

(...) deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder produz; ele produz realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção (FOUCAULT, 1977, p. 172).

O poder não é apenas dominação, mas também produção, é a partir dessas relações que a realidade se configura. As relações de poder estão presentes em toda vida social, na igreja, na família, no namoro, na escola, no Estado, na indústria, nos hospitais, etc.

Foucault pesquisou e descreveu o papel do poder, especificadamente a disciplina, na formação histórica de instituições como o presídio, o hospital, a escola e a fábrica.

Nessa perspectiva, “(...) o poder e o saber produzidos pelas normas disciplinares são fundamentais para a organização burocrática. Em uma sociedade de instituições burocratizadas como a nossa, o poder disciplinar se desenvolve em todo tecido social” (KRUPPA, 1994, p. 102).

Sobre esse poder disciplinador direcionado especificadamente para a escola, pode-se constatar a predominância de mecanismos de vigilância (disciplinadores) sobre a questão qualitativa da construção do saber educacional. O ensino é sobreposto pela vigilância.

3- ESCOLA E DISCIPLINA: RELAÇÕES DE PODER

Posteriormente a conceituação de poder já apresentada, vale, neste momento, visualizar o poder da disciplina presente nas instituições escolares. Nelas existem mecanismos que efetivam a disciplinarização dos indivíduos que a compõe.

Segundo Foucault (1977, p. 126), esses mecanismos “(...) permitem o controle minucioso de operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade - utilidade são o que podemos chamar as ‘disciplinas’”. Continuando a discorrer sobre essa questão afirma que a “(...) disciplina fabrica assim corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência).”

Foucault (2003, p. 182), oferece referências que permitem “(...) captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações. Lá onde se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais (...)”, e por conseqüência, analisar a escola como o lugar onde o poder disciplinar produz saber, mantém-se, é aceito e praticado por todos os membros da instituição escolar numa relação hierárquica.

Exercer pressão constante sobre os alunos para que todos dêem atenção nos estudos façam as tarefas e respeitem as normas é parte de um sistema punitivo com função normalizadora. O normal se estabelece como princípio de coerção e com ele o poder de regulamentação.

3.1- O espaço físico: a escola-prisão

A disciplina exige um espaço específico para seu exercício, um espaço no qual os indivíduos possam ser vigiados nos seus atos, que tenham seu lugar específico para visualizar seu comportamento para poder sancioná-lo ou medir suas qualidades.

O espaço deve ser visto como algo útil e funcional a escola deve ser dividida através de séries e classes e as mesmas individualizarem os alunos através da disposição em filas o que facilita a vigilância e o controle. O professor visualiza os alunos, pois cada um se define pela sua posição na classe, nesse sentido “(...) a sala de aula formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar cuidadosamente ‘classificador’ do professor” (FOUCAULT, 1977, p. 135).

A exigência da distribuição das classes em fileiras, com alunos em ordem e uniformizados tem como objetivo garantir a obediência dos alunos, e uma melhor utilização do tempo. Cria espaços funcionais e hierárquicos, “(...) trata-se de organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo, trata-se de lhe impor uma ‘ordem’” (FOUCAULT, 1977, p. 135).

A comparação física das escolas e das prisões procede de acordo com sua composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem nenhuma comunicação, grandes nas janelas, refeitório comunitário, muros altos e com grades, portões sem nenhuma visibilidade com o lado externo à escola.

A construção das escolas obedecem a quase todas essas disposições e com uma peculiaridade importante, a posição da sala da diretoria permite ter uma visão global de todo estabelecimento, um “olhar panóptico” - uma construção que se aproxima ao Panóptico de Bentham[5]. O panoptismo é característica das prisões mas, certamente, está presente nas instituições escolares. Mesmo que não apresente efetivamente todas as características descritas, a funcionalidade do posicionamento da sala da diretoria e supervisão remetem a uma forma de vigilância efetiva. Nas escolas as práticas transgressoras são “registradas” na forma de “ocorrências”[6], estas relatam as ações dos alunos e dos professores que, posteriormente são arquivadas e avaliadas. Através dessas “ocorrências”, ambos podem ser suspensos ou expulsos (no caso dos professores, são exonerados do cargo por serem funcionários públicos) dependendo da gravidade do ocorrido.

A escola torna-se “(...) um espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 174). Esse tipo de vigilância permite a diretoria um controle sobre todas as movimentações na escola: quem está no corredor, quem vai ao banheiro, a classe “indisciplinada” e outros mais.

O poder disciplinar exercido através da configuração arquitetônica e, da mesma forma, o controle da diretoria sobre o professor e o aluno através do “olhar panóptico” demonstra de forma veemente como a disciplina faz “(...) funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 1977, p. 134).

3.2- Os mecanismos de controle e punição

Nas reuniões da diretoria com professores, o centro dos discussões centrava-se em elaborar meios ou mecanismos para os alunos estudarem de maneira disciplinar e, cumprir com a programação anual.

A diretoria, de forma contundente, exige o cumprimento de todo o horário de aula, pois os professores como funcionários devem produzir sua tarefa e, de forma hierárquica “obrigar” os alunos a se adequarem a esse sistema. Deve garantir que as individualidades se integrem a uma funcionalidade “orgânica”, ou seja, que funcionem como um organismo com atividades controladas e codificadas.

De acordo com Foucault (1977, p. 141), “(...) o corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprio a um organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e ‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’.”

O horário esgotado e totalmente utilizado requer do professor um controle bastante rígido. A configuração espacial - como já apresentado - permite esse controle, um olhar disciplinador e consistente.

Não basta apenas o cumprimento do horário por parte dos professores e alunos, “(...) procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo que possa perturbar distrair; trata-se de constituir um tempo integralmente útil (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 137).

A diretoria fiscaliza se o professor está utilizando o tempo de maneira proveitosa e este fiscaliza o aluno e o vigia para que cumpra com sua tarefa.

Como Foucault (1977, p. 155-156) específica, o “(...) edifício da Escola devia ser um aparelho de vigiar (...)”, mas esse aparelho necessita para a eficácia da disciplina de uma vigilância hierárquica, “(...) o olhar disciplinar teve de fato, necessidade de escala (...). É preciso decompor suas instâncias, mas para aumentar sua função produtora. Especificar a vigilância e torná-la funcional.”

Nessa perspectiva a vigilância se efetiva na escola com a presença do diretor, dos vice-diretores, da supervisão pedagógica, da orientação educacional, dos professores e finalmente dos alunos.

Essa hierarquia fundamenta um controle, “(...) um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 1977, p. 153).

Esse poder disciplinar não procura reter as forças, mas sim interligá-las, multiplicá-las e utilizá-las, sua consolidação utiliza-se dessa vigilância hierárquica e outros meios coercitivos de punição.

A entrada na escola dos alunos só é permitida se estiverem uniformizados, já na portaria entregam uma “carteirinha” de identificação para fiscalização do comparecimento, os alunos só podem sair da classe em horário de aula munidos com o cartão do professor, essas são algumas das normas sobre circulação no interior do estabelecimento escolar.

Esse controle rigoroso aliado a outras regulamentações forma um sistema punitivo, este, composto por dispositivos disciplinares que fazem funcionar normas gerais da educação. Essas normas permitem a medicação dos desvios e a redução desses se daria pela aplicação de

“(...) micropenalidades do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência) (FOUCAULT, 1977, p. 159).

São inúmeros os exemplos que caberiam nessas colocações, no cotidiano escolar esses fatos permeiam a maioria das relações. Constatada a transgressão à norma, a penalidade é uma conseqüência lógica.

(...) trata-se ao mesmo tempo de tomar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 1977, p. 159).

O receio dos alunos quanto às sanções que vão receber caso infrinjam as normas, demonstra a eficácia das penalidades, e o funcionamento da engrenagem do sistema punitivo. Essas punições são expressas através de suspensões, expulsões, reunião com os pais, redução nas notas, mudança de classe e, dependendo da gravidade, ocorrência policial.

Essas formas de punição fazem parte de um sistema duplo que Foucault chama de “gratificação-sanção”[7].

Esse sistema consiste em tornar operante a correção dos alunos no tocante às relações em sala de aula. O professor deve utilizar mais de gratificações do que de sanções, pois os infratores serão incitados a procurar mais as recompensas e se afastarem das penalidades garantindo assim, que os comportamentos se inclinem na busca por gratificações e reconhecimento.

Todo ano a diretoria da escola promove uma premiação, com medalhas e certificados, para os “melhores” alunos do ano, aqueles com melhores notas e comportamentos disciplinares exemplares.

O poder disciplinar usa como forma de coerção uma relação que compara os melhores e piores alunos, construindo essencialmente, uma relação hierárquica de qualidades. Essa hierarquização não remete somente aos alunos dentro de uma classe, ela existe entre as classes ( Ibid., p. 166). Na escola existem classes “boas” e classes “ruins”, ou seja, as classes são classificadas dessa forma porque os alunos que a integram possuem essas qualificações. A mudança de classe, de sair de uma posição “vergonhosa” para uma “posição honrosa” reforça ainda mais o poder disciplinar da instituição escolar.

Outro mecanismo indicador do poder disciplinar nas escolas é o exame ou provas. Através dele o professor conhece seus alunos, descritos, mensurados, comparados a outros, treinados, classificados, normalizados. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e a sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 1977, p. 164).

Nas escolas, a aplicação do exame envolve todo um ritual desde a padronização de sua estética até a conduta disciplinar e temporal. Os exames são aplicados em classes com alunos em ordem alfabética, enfileirados, com um horário mínimo para término, com a proibição de qualquer conversa ou gestos. O exame deve ser feito de maneira sistemática e objetiva. Esse ritual renova constantemente o poder, demonstra a força que a disciplina possui no cotidiano escolar. O exame compara os alunos e permite analisá-los e se necessário, sancioná-los.

Através dele, obtém-se o conhecimento sobre o aluno, sobre suas aptidões e deficiências, sobre sua evolução ou desvio ao mesmo tempo de transmissão do saber, esse método pressupõe “(...) um mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do poder” (FOUCAULT, 1977, p. 166).

Pode-se dizer que o exame constitui-se uma das peças fundamentais para a edificação da pedagogia (Ibid., p. 166).

De maneira geral pode-se afirmar que na escola o poder disciplinar torna-se natural e legítimo. A construção de um saber qualitativo na educação, de ações e projetos pedagógicos é sobreposta pelo caráter disciplinar das escolas.

O educar significa ensinar, qualificar, esclarecer mais também, disciplinar, vigiar, punir.

4- CONCLUSÃO

Essas qualificações do caráter educativo das escolas constatadas através da vivência com alunos e das reuniões pedagógicas freqüentes demonstram como os alunos se habituaram com o sistema disciplinar e legitimam a eficácia desse poder.

As reuniões entre diretoria, pais e professores são transformadas em seções de queixas disciplinares, em constatações e repressão dos alunos “desviados” no ambiente escolar.

A contribuição de Foucault é fundamental para o entendimento dessas questões presentes na escola, pois é a partir dela que a realidade efetiva se clareia, que as relações de poder cotidianas ganham seu devido status.

A escola passa a constituir-se num observatório político, num aparelho que permite o conhecimento, o controle perpétuo de seus componentes, através dos diretores, dos professores, dos funcionários e dos próprios alunos. Essa relação hierárquica induz todos a se sentirem sempre vigiados e controlados.

A escola e suas técnicas disciplinares fazem com que os indivíduos aceitem o poder de punir e de serem punidos.

Nessa perspectiva, o poder disciplinar conquista um lugar privilegiado nos discursos e nas ações, sendo a principal personagem das relações que compõe o universo escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2003.

_____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.

KRUPPA, S. M. P. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MAAR, W. L. O que é política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PARANHOS, A. Política e cotidiano: as mil e uma faces do poder. In: MARCELLINO, N. C. (org.) Introdução às Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 2000.

WEBER, M. A Política como Vocação. In: Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

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