As definições de resiliência são diversas e várias, dependendo não somente da visão teórica, mas também dos próprios autores dessas correntes. Apesar dessa diversidade e até mesmo da dificuldade de se definir resiliência, esse construto tem servido como modelo de estudo, como ferramenta e como prática para diversas ações no mundo afora. Nesse sentido, colocarei aqui apenas alguns pontos de vista sobre o conceito de resiliência e não necessariamente concordando com todos eles.
Pode-se afirmar, com Hauser & Allen, que resiliência pode se referir a três grandes classes de fenômenos na literatura psicológica.
1. Indivíduos em altos grupos de risco que se saíram melhor do que lhes era esperado. Histórias de percursos de vida inesperados são com frequência consistentes com as descobertas geradas por estudos baseados em variáveis de conseqüências específicas em crianças resilientes de alto risco. O estudo desse fenômeno busca por preditores de boas conseqüências, jogando luz sobre fatores de proteção que podem levar a tais conseqüências.
2. Uma boa adaptação individual apesar dos eventos adversos. Esta segunda conceitualização leva a uma aproximação com a trajetória de vida individual, em contraste com uma visão epidemiológica inerente na visão de risco.
3. Diferenças individuais na recuperação do trauma. Experiências traumáticas representam adversidades de grande severidade, com início agudo ou repetição crônica, indo bem além dos desafios enfrentados no desenvolvimento normal. Por sua natureza, é esperado que as experiências traumáticas reduzam a qualidade de vida do indivíduo (Hauser & Allen, 2006).
Para muitos autores, resiliência pode ser amplamente definida como o processo pelo qual consequências positivas são alcançadas num contexto de adversidade. Para satisfazer essa definição é essencial que os estudos foquem em amostras de alto risco, porque resiliência não é ajustamento positivo por si mesmo, mas sim nos contextos de grande adversidade.
A emergência da teoria da resiliência está associada a uma redução na ênfase em patologia e um aumento na ênfase nas fortalezas, havendo uma mudança de foco do déficit para a superação frente às adversidades. Ou seja, há um distanciamento do modelo patogênico dominante para um modelo salutogênico (Boyden & Cooper, 2007).
Meredith e col. (Meredith et all, s/d) afirmam que, conforme reviram documentos da literatura sobre resiliência, também trilharam por várias definições desse conceito. Em alguns casos, essas definições parecem ter sido originadas em documentos prévios e alguns documentos listam múltiplas definições. Eles classificaram as definições que foram encontrando em três tipos principais:
1- Basic: definições que descrevem resiliência como um processo ou capacidade que se desenvolve com o tempo.
2- Adaptação: definições que incorporam o conceito de “bouncing back”, adaptação ou retorno à situação anterior à experiência de adversidade ou trauma.
3- Crescimento: definições que adicionalmente envolvem crescimento após a experiência de adversidade ou trauma.
Michael Ungar (Ungar, 2004) cria uma abordagem construcionista da resiliência, refletindo uma interpretação pós-moderna desse constructo, definindo-o como as conseqüências de negociações entre indivíduos e seus meio-ambientes com relação aos recursos que podem defini-los como saudáveis em meio a condições vistas coletivamente como adversas. O autor aponta ainda pesquisas que suportam resiliência como uma construção social, afirmando que tem encontrado uma relação não sistêmica e não hierárquica entre risco e fatores de proteção, descrevendo o relacionamento entre esses fatores através de uma cultura ampla. Esse ponto de vista é contrário de interpretações ecológicas de resiliência que são propagadas pela cultura dominante, assim como difere do estruturalismo – que afirma que é o relacionamento entre os comportamentos e os fatos/eventos que compõem a vida dos indivíduos ou grupos o que constitui o objeto principal do conhecimento – e do ponto de vista fenomenológico, onde resiliência é descrita como sendo necessariamente alguma coisa a mais que um simples ajustamento ou simples adaptação à adversidade.
Rutter (citado por Yunes & Szymanski, 2001) aponta quatro mecanismos que protegem os indivíduos contra riscos psicológicos e adversidades: 1- aqueles que reduzem o impacto ao risco; 2- os que reduzem a possibilidade de uma resposta negativa em cadeia; 3- aqueles que promovem o estabelecimento e manutenção da auto-estima e auto-eficácia através da presença de relações de apego seguras e incondicionais e o cumprimento de tarefas com sucesso; e 4- aqueles que possibilitam a abertura para novas oportunidades, no sentido de um “ponto de virada”.
Alguns autores apontam os aspectos ideológicos do conceito de resiliência, mostrando que a maioria dos estudos em resiliência tem se debruçado em metodologias chamadas “cross-sectional”, investigando predominantemente americanos de origem européia e classe média, em vez de grupos com maior diversidade de etnia e condição sócio-econômica (Adriance, 2001), o que aponta que o conceito de resiliência (ou os estudos sobre ele) está envolto em ideologias relacionadas à noção de sucesso e de adaptação às normas sociais.
Por fim: “resiliência é um conceito fácil de entender, mas difícil de definir” (Rodriguez, 2002)
BIBLIOGRAFIA
ADRIANCE, E. Protective factors and the development of resilience among boys from low-income families. McGill University, 2001;
BOYDEN, j, COOPER, E. Questioning the power of resilience: are children up to the task of disrupting the transmission of poverty? April 2007;
HAUSER, s, ALLEN, J. Overcoming adversity in adolescence: narratives ofrResilience. Psychoanalytic Inquiry, volume: 26, issue: 4, Publisher: Analytic Press, 2006;
MEREDITH, L. et all. Promoting psychological resilience in the U.S. Military. Randy Corporation, 2007;
PINHEIRO, D. A resiliência em discussão. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 1, p. 67-75, 2004;
RODRIGUEZ, D. El humor como indicador de resiliencia. In Melillo & A., Ojeda, E. (Orgs.): Resiliencia: descobriendo las propias fortalezas (pp.185-196). Buenos Aires: Paidós, 2002;
UNGAR, M. A constructionist discourse on resilience: multiple contexts, multiple realities among at-risk children and youth. YOUTH & SOCIETY, Vol. 35 No. 3, March, p. 341-365. 2004;
Nenhum comentário:
Postar um comentário