- Vocês são gays?
- Não, não somos. Ele é meu filho.
- Agora que liberou… vocês vão ter que dar beijinho.
O “beijinho” não veio. No lugar dele, uma sequência de golpes pelas costas. Depois, cabeça, braços e queixo atingidos. E a orelha do pai decepada por um objeto cortante. O grupo de agressores – quatro, até agora – fugiu deixando para trás pai e filho com sua dignidade jogada ao chão, o respeito coberto pela poeira da terra batida da feira. Por quê? Homo ou hetero, qual a maldade do abraço castigado pela covardia insana?
Há tempos o abraço tem incomodado. Mas o ideal é ir além do pensamento exclusivista do gesto entre gays, lésbicas e afins. O incômodo do abraço vem de berço, agora. Vem da falta dele dentro de casa, de filhos pré-adolescentes mais preocupados em não ‘pagar mico’ do que em permitir-se um carinho real – que até os micos já aprenderam a curtir -, de pais que se envergonham em beijar e abraçar seus filhotes porque já vieram de uma ‘escola familiar’ ausente do toque, do cheiro, do olhar direto, sem desvios. E a coisa tende a se perpetuar.
A psicologia pode listar páginas de motivos para a ação homofóbica do crime. E ela existe, apesar da polícia alegar não haver ‘evidências’ que comprovem o preconceito. Mas a questão tem uma raiz básica, firmada no carinho – ou na ausência dele. Há um adesivo interessante usado em automóveis do Brasil, que pergunta: ‘você já abraçou seu filho hoje?’ É uma boa questão, porque filhos pouco abraçados, beijados, amados dentro de suas casas podem um dia sair às ruas para ridicularizar e até agredir pessoas cheias de carinho. E você, abraçou seu filho hoje?
Depois das agressões, o pai agredido e mutilado, do alto de seus 42 anos, disse sentir tristeza e raiva pelo que passou. Suas palavras: “Vai chegar um tempo em que não se poderá mais sair de casa. Fomos (ao evento) para nos divertir. Meu filho saiu só pela festa e aconteceu uma barbaridade dessa. O que ocorreu foi pura maldade.” Maldade, covardia, impunidade. Até agora, os agressores não foram presos. Imagens do circuito de segurança da feira ainda não chegaram às mãos dos policiais e, pasmem, diante de toda essa celeuma há registro de apenas uma pessoa que tenha ajudado os agredidos.
Sim, há um excesso de razão, de “posicionamentos” pró e contra, muita reivindicação anti e diante, muita gente de cara pintada pelas ruas, muita fantasia desfilando na avenida e poucos olhares limpos sobre a questão. O que fazer diante disso? Notas de repúdio, debates, embates, circo de proselitismo para vender a imagem das lideranças e não a ideologia, não a flexibilização de conceitos, simplesmente a acusação do pré-conceito. Apontar o dedo não adianta.
Quando a ideia é aprovar um texto, uma lei que não legisla de fato, um direcionamento ideológico-religioso goela abaixo as manifestações parecem ganhar mais força, até abraços a cartões-postais Brasil afora se vê, pela TV. A homofobia existe, mas é antecedida pela fobia de carinho entre pais e filhos, amigos, irmãos de igreja e irmão do movimento LGBT. O fato aconteceu. Ficamos todos indignados. O que fazer? Novamente, apenas apontar o dedo não adianta.
Que tal convocarmos os milhares da Marcha do Orgulho Gay, os milhares dos eventos Religiosos anti-homossexualismo e sugerirmos a todos uma mobilização conjunta pela não aceitação do retorno à nebulosidade de ideais e condutas da Idade Média? Movimentos, ONGs, Igrejas, cristãos ou não, vamos nutrir o carinho acima de tudo, a tolerância, o respeito ao individualismo. Até agora não se ouviu falar em algo forte nesse sentido, tão fundamental. Que tal soltar o cabo de guerra e, da forma mais humana possível, abraçar essa causa?
(*) Texto publicado na coluna #CotidianaMente, do Jornal A União, edição de 20 de julho de 2011
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