sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O VENENO DA BOCA

Hélio Consolaro*

A vida não é tão fácil, quando não se quer criar problemas para o outro. O outro ou a outra acha que estou sendo indiferente, que não lhe dou importância, só porque não teço comentários a respeito de sua fala. Como dentro dos comentários, estão cheios de fuxicos, então me calo, porque em boca fechada não entra mosquito. Aí sou pichado de caladão.

Fico na situação do namorado que não é ciumento. “Se não tem ciúme de mim, não me ama” – diz a namorada. Se não entro na maledicência geral, sou um sem-sal. Como se um sentimento negativo poderia se transformar em positivo.

Parto do princípio de que ninguém é santo, nem totalmente encapetado. Somos o que somos, com todos os defeitos. Aliás, amo os meus defeitos, porque por eles me diferencio dos outros. Essa bela frase não é minha, mas não sei quem a disse pela primeira vez.

A alegria de ser o que é. Então, eu também faço minhas maldades, portanto, tenho a certeza de que falam mal de mim por aí. E daí? Eu também falo, ou melhor, escrevo. “Esse sujeitinho não vale o que um gato enterra!”, digo, às vezes. Você sabe o que é enterrado pelos felinos? Então, é uma fala pesada.

Se alguém vem me dizer que fulano de tal falou mal de mim, o pau quebra com o recadeiro, porque esse leva e traz está me fazendo um grande mal, é venenoso. Vou ficar com raiva do outro. Então, caro leitor, esculhambo com o fuxiqueiro.

Fidelidade, traição, honra – esses conceitos dogmáticos, passionais, antigos – não fazem parte de meu vocabulário. Se o projeto de determinada instituição não me serve, não me encaixo mais nela, pulo fora. Sou fiel aos objetivos traçados, quando percebo que eles foram abandonados, a instituição da qual pertenço me dá a liberdade de romper. Trabalho com conceitos operacionais. Se escrevo num jornal, por exemplo, escrevo em vários, e o editor-chefe corta um pedaço de meu artigo ou crônica, sem falar comigo, o nosso compromisso se rompe. Dê-me o boné.

Voltando ao relacionamento interpessoal. Há gente dura de carregar. Pesada. Bota gosto ruim em tudo, nada está bom. Conheço uma pessoa que, por causa disso, carrega nas costas um desemprego de 10 anos.Tudo conspira contra ela. O universo nunca está a seu favor, fica criando perseguições, uma espécie de Dom Quixote. Esse personagem de Miguel de Cervantes é bom nos livros, na nossa casa, em nosso emprego, um inferno.

A cada dia me convenço de que não vejo mesmo o mundo como ele é, na verdade crio uma imagem dele e ajo conforme. Vou me enganando, invento desculpas para os meus desenganos, evito no máximo não jogar culpa nos outros. Além disso, não acredito no capeta, portanto nem tenho ele para jogar-lhe a culpa de meus erros nas costas. De vez em quando, bato com a bunda no chão, com toda força, sofro sozinho.

O pesadão, de difícil convivência, com mania de perseguição, de repente, descobre que sua avaliação estava errada. Em vez de assumir o autoengano, a grande maioria que sofre desses delírios mentais, quando erra, atribui o erro a quem lhe perseguia:

- Ele fez isso porque descobriu que estávamos de olho...

Como conheço mais ou menos o esquema mental desse povo que garganteia que é isso, que é aquilo e não é nada, me dou bem com eles. Não dou repercussão em meu cérebro àquilo que me disserem, mas fico de olho, vai que...

A boca de uma pessoa é a desgraça dela. Nossa fala constrói ou destrói nossa imagem diante dos outros. Quer matar um assunto a respeito de sua vida, não o comente com ninguém. Ele passa a ter vida curta. Cale a boca, Magda!

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário